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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Desconstrução



Desconstrução




A menina abriu a porta do guarda-roupa. Precisava dispor todas as coisas de forma ordenada, organizar as idéias enoveladas pelo conflito familiar, ouvir o silêncio, a pulsação, o sangue correndo nas veias. O choro da mãe se distanciava. Criteriosa, media a distância entre os cabides, separava as roupas baseando-se nas cores: do branco ao preto. Gradativamente. Outro critério de arrumação se desdobrava dentro desse: o tipo de tecido, a idade da vestimenta, o destino de cada uma. A fúria do pai abrandava. Devagar, o batimento cardíaco amansou, o grito asfixiado no escuro das gavetas. Precisava abstrair o mundo ao redor e se dispersar pelos vãos. Evadia-se para outra realidade, ensaiando seus primeiros passos pelo alheamento. Concentrou-se na horizontalidade das listas, com intervalos breves e regulares. Era assim que idealizava a vida. Coerente e sem lapsos. Mas ouviu a mãe chorando baixinho. Nas listras sucessivas, o contínuo que se rompe. A vida? Um eterno desfazer para refazer.


                                                           Ave, Palavra

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